“Pés de Anta – As cineastas Munduruku” estreia no Cine Casarão, em Manaus

O documentário foi premiado no Festival Olhar do Norte e os jurados comentam a produção da Amazônia Real (Foto: Rachel Gepp/Amazônia Real)
O documentário “Pés de Anta – As cineastas Munduruku”, produzido pela agência Amazônia Real, ganhou no início do ano os prêmios Melhor Roteiro e Melhor Direção na Categoria Amazonas no Festival de Cinema Olhar do Norte 2018. Nesta quinta-feira (26), o filme, que tem nove minutos de duração, estreia na mostra “Ideias Curtas” com exibição até sábado (28), sempre às 18 horas, no Cine Casarão. Com entrada franca, o cinema fica na rua Barroso, 279, no Centro Antigo de Manaus.
O curta-metragem “Pés de Anta – As cineastas Munduruku” conta a história de como as mulheres desse povo acompanharam, fotografando e filmando, a autodemarcação da Terra Indígena Sawré Muybu, que fica na bacia do Rio Tapajós, na Amazônia paraense.
A equipe que produziu o documentário é formada pelas jornalistas Elaíze Farias e Ana Mendes – que assina as imagens e o roteiro, este em parceria com a jornalista Kátia Brasil, que responde pela direção do curta. A montagem é de Pablo Albarenga e o apoio financeiro da Fundação Ford. Algumas imagens incluídas no documentário foram cedidas pela comunicóloga Raquel Gepp, que também dá um depoimento sobre como surgiu o grupo das cineastas Munduruku.
Atualmente “Pés de Anta” está disponível ao público nas plataformas da internet Youtube e Vimeo. A consultoria de produções audiovisuais Leão do Norte está realizando para a agência Amazônia Real a distribuição do curta, que recebeu legendas em espanhol e, em breve, terá também em inglês. Criada pelos profissionais Carlos Barbosa, Clemilson Farias e Rodrigo Grillo, a empresa vai enviar o documentário sobre as mulheres Munduruku para festivais internacionais com temáticas ambiental, social e política.
A viagem ao Tapajós
O documentário “Pés de Anta” foi filmado em 2016 na Terra Indígena Sawré Muybu pela jornalista Ana Mendes e contou com a produção de reportagens de Elaíze Farias. O curta faz parte de uma reportagem especial sobre a luta dos Munduruku pela reconhecimento de seu território e em ações de enfrentamento contra hidrelétricas no rio Tapajós.
O território indígena não foi demarcado pelo governo brasileiro, por isso as ameaçados são constantes por projetos de hidrelétricas, garimpo ilegal, invasão de madeireiros e fazendeiros. Os guerreiros Munduruku decidiram realizar a autodemarcação, percorreram trilhas abertas com facão ou com a próprias mão no meio da floresta para delimitar o território. As mulheres Munduruku preparavam os alimentos para eles, mas elas queriam ter uma maior participação no trabalho.

Ana Mendes e Elaíze Farias na aldeia Sawré Muybu (Foto Nelison Munduruku)

Marunha Kirixi Munduruku e jovem na aldeia Sawre Muybu (Foto: Ana Mendes/Amazônia Real)
A comunicóloga Rachel Gepp, que participa como personagem no documentário, ensinou as mulheres indígenas as técnicas de vídeos, tomadas e roteiro. Com câmeras e celulares nas mãos, as Munduruku gravaram imagens das picadas abertas pelos 178.173 hectares do território.
Marunha Kirixi Munduruku, Lucianne Saw, Tatiana Akay Munduruku, Alessandra Korap Munduruku, Rilliete Akay e Maria Leusa Munduruku, entre outras indígenas, se tornaram cineastas. Durante as filmagens, elas caminhavam nas trilhas com os pés descalços. Daí os homens Munduruku deram a elas o nome de Pés de Anta, uma alusão a força delas em, em muitos momentos, andarem descalças e enfrentar os obstáculos, como pedras e espinhos, no caminho da autodemarcação de Sawré Muybu.

Juquita Akay Munduruku, mulher do cacique Juarez Munduruku (Foto: Ana Mendes/Amazônia Real)
Uma das personagens do documentário, Juquita Saw Munduruku, fala sobre a autodemarcação da terra Sawré Muybu. “Foi muito sofrido fazer essa autodemarcação, mas foi muito bom. Foi com a participação do pessoal do alto. Passaram fome, passaram sede andando. Mulheres e crianças também estavam juntos. Foi um trabalho muito difícil, mas o resultado é muito bom, foi muito bom. Tem fé que um dia vai ser homologada a terra.”
Jurados aclamam o curta
Durante no Festival de Cinema Olhar do Norte 2018, o documentário “Pés de Anta – As cineastas Munduruku” foi visto e analisado por uma banca de jurados formada pelos cineastas Caio Pimenta, Marcos Tupinamba e Michelle Andrews. O mediador dos debates foi o cineasta Walter Fernandes Jr. O festival contou ainda com as participações dos cineastas Renildo Rodrigues, Keila Serruya e Sérgio Andrade. Os convidados especiais foram os diretores Jorge Bodanzky e João Dumans. Cerca de 40 produções foram apresentadas no Teatro da Instalação e o Les Artistas Café Teatro.
O filme premiado do festival na Mostra Região Norte foi “Maria”, da diretora Elen Linth. Tendo como protagonista a atriz travesti Maria Moraes, o filme foi elogiado tanto pelos jurados como pelo público presente.
Na Mostra Amazonas, “Pés de Anta” concorreu com oito produções. Os cineasta que concederam as premiações à “Pés de Anta – As cineastas Munduruku” comentaram a produção da agência Amazônia Real.
O diretor, roteirista, montador e produtor de cinema, Walter Fernandes Jr. disse que a premiação à “Pés de Anta” foi bem merecida pela importância do impacto social e denúncia de violação de direitos humanos do documentário.
“Além desse conteúdo que o filme mostra, ele vai muito além. É um filme de cinema. É um filme que mostra aquelas personagens lidando pela primeira vez com um equipamento tecnológico de filmagem, e ao mesmo tempo aprendendo, fazendo… Descobrindo, ao mesmo tempo, uma nova forma de comunicação e também um novo instrumento pra fortalecer sua própria cultura através de uma tecnologia moderna”, disse o mediador do festival.
Ele destacou também que “Pés de Anta” é um filme bastante emocionante quando as próprias indígenas batem palmas para marcar as cenas, já que não têm claquetes (dispositivo usado no cinema e no audiovisual para identificar os planos e tomadas) como no início da história do cinema sonoro. A ideia das palmas no documentário partiu da diretora Kátia Brasil.
“É emocionante no sentido do telespectador conseguir enxergar uma espécie de simbolismo entre o princípio do cinema, no final do século 19 e, aqui, já no século 21, novas pessoas tão tendo essa mesma descoberta, como se fossem os irmãos Lumière. É muito emocionante ver esses elementos dentro do filme. Ficou muito bonito, muito sensível”, disse Walter Fernandes.
A força das mulheres
A cineasta Michelle Andrews destacou que as premiações concedidas ao documentário “Pés de Anta” mostra a construção das produções independente feita por mulheres. “Audiovisual feito por mulheres tem um ponto de sensibilidade que não é tão explorado. É muito feliz ter mais mulheres dentro do cinema”, disse ela, que sugeriu que a agência Amazônia Real apresente o filme em outros festivais. “Filmes são feitos para serem vistos, então ter seu filme só guardado em um canto não é tão relevante. Filmes são para serem exibidos, inclusive, gratuitamente e tudo”, disse Michelle, que é coordenadora do Centro População do Audiovisual do Amazonas.

O debate com os jurados no Les Artistes Café Teatro (Foto: Alberto César Araújo/Amazônia Real)
Outra cineasta amazonense, Keila Serruya comentou sobre a produção de “Pés de Anta”. “Acho fundamental um trabalho como esse, que incentiva a questão. Eu, como júri, contei muito a questão da mulher, da presença, de fazer o audiovisual e de ter narrativas da Amazônia. Saírem de dentro pra fora. É importantíssimo termos um produto como esse que, eu espero, seja daqui para outros festivais. E que alimente um pouco da nossa história como uma contranarrativa sobre o que está acontecendo na Amazônia como um todo”, disse.